Audiência na Câmara discute nova tributação de criptoativos e bets. Confira na íntegra

A proposta prevê alíquota de 5% para instrumentos antes isentos, fim da isenção mensal de R$ 35 mil em negociações com ativos digitais e ampliação de tributos sobre bets.

Marta Stephens By Marta Stephens Flavio Aguilar Edited by Flavio Aguilar Atualizado em 6 mins read
Audiência na Câmara discute nova tributação de criptoativos e bets. Confira na íntegra

Resumo da notícia

  • MP 1.303/2025 cria alíquota de 5% para fundos hoje isentos e amplia tributação sobre bets.
  • Isenção de R$ 35 mil mensais em negociações com criptoativos será eliminada, afetando pequenos investidores.
  • Fintechs alertam para risco de sufocar inovação e competitividade frente a bolsas e ativos tradicionais.
  • Governo e Receita Federal defendem simplificação, aumento de arrecadação e maior transparência no setor digital.

A quarta reunião da Comissão Mista destinada a debater a Medida Provisória 1.303/2025 reuniu, nesta quarta-feira (27/8), representantes de órgãos públicos, fintechs, instituições de pagamento, seguradoras, mercado de capitais e Receita Federal. A MP está entre as mais importantes para o desenvolvimento do mercado de criptomoedas no Brasil, devido à discussão sobre aumento de tributação sobre essa classe de ativos digitais.

Além disso, o texto prevê legislação fiscal sobre as bets. Quem presidiu a sessão foi o senador Renan Calheiros, que buscou ouvir os representantes do mercado com o objetivo de entender melhor o cenário para a MP.

O que mudaria com a MP?

A MP prevê a criação de uma alíquota de 5% para fundos de investimento atualmente isentos. Isso inclui instrumentos como LCI, LCA e LIG, além de mudanças na tributação de apostas de quota fixa (bets). Outro eixo central é a ampliação da tributação sobre ativos virtuais, atingindo tanto exchanges quanto investidores.

Para o governo, o objetivo é ampliar a arrecadação em até R$ 18 bilhões anuais, equilibrar as contas públicas e eliminar distorções tributárias entre diferentes segmentos do mercado financeiro.

Já para o setor privado, no entanto, o buraco é mais embaixo. O projeto traz preocupações com competitividade, inovação e impacto sobre consumidores. Especialistas preocupam-se com o impacto que a MP pode ter sobre investimentos em Bitcoin e nas melhores altcoins.

Tributação e spread bancário

A primeira a se manifestar foi Cristiane Coelho, diretora jurídica da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF). Em sua fala, ela destacou que o setor financeiro já responde pela maior fatia dos tributos administrados pela Receita Federal. Ou seja, equivale a 21,5% do PIB em 2025, contra 19,9% em 2023.

Segundo Cristiane, novos encargos tendem a sofrer repasses em forma de juros e spread bancário:

Somos um setor de intermediação, que naturalmente repassa tributos, e isso encarece o crédito para toda a sociedade.

Ou seja, a crítica aponta que a MP repete o padrão histórico de sobrecarregar o setor financeiro sem contrapartida no lado das despesas públicas. O argumento reforça a necessidade de ajustes no gasto para que o equilíbrio fiscal não recaia apenas sobre a arrecadação.

Fintechs pedem isonomia para ativos digitais

Diego Pérez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), ressaltou a transformação promovida pelas startups financeiras, que em pouco mais de uma década levaram serviços digitais a mais de 60 milhões de brasileiros. Para ele, a MP ameaça sufocar empresas que operam com margens reduzidas.

A preocupação maior recai sobre a elevação da CSLL de 9% para 20% em determinadas fintechs e sobre a eliminação da isenção mensal de R$ 35 mil para operações com ativos digitais.

Pérez criticou a falta de isonomia:

Ações negociadas em bolsa continuam com isenção de R$ 20 mil por mês, enquanto criptoativos perdem qualquer faixa de isenção. Isso distorce a decisão do investidor e prejudica a liberdade de alocação de capital.

Esse ponto mobilizou associações ligadas à criptoeconomia, que defendem um tratamento equivalente ao do mercado de capitais.

Em linha com esse argumento, a ABCripto, Associação Brasileira de Criptoeconomia, argumentou que a tributação excessiva pode gerar migração de investidores para plataformas internacionais.

Portanto, seria uma consequência que poderia fragilizar a regulação doméstica e reduzir a arrecadação em vez de ampliá-la. Basicamente, a teoria da curva de Laffer na prática.

Receita Federal: simplificação e justiça tributária

Em resposta, o secretário especial da Receita Federal, Robson Barreirinhas, defendeu a medida como parte de um esforço para simplificar o sistema tributário e aumentar a justiça fiscal.

Segundo ele, a MP corrige distorções históricas, amplia a base de arrecadação e não compromete a competitividade:

O Brasil precisa harmonizar regras e reduzir privilégios que beneficiavam poucos segmentos em detrimento da maioria dos contribuintes.

Para a Receita, a tributação sobre ativos digitais traz transparência a um mercado ainda visto como opaco. A ideia é alinhar o tratamento de criptoativos ao de outras aplicações financeiras, fortalecendo o monitoramento de operações e prevenindo evasão fiscal.

Impactos para o mercado cripto

O ponto mais sensível do debate para o setor de criptomoedas foi a eliminação da isenção para negociações até R$ 35 mil mensais.

Essa regra, que até hoje permitia ao pequeno investidor negociar volumes modestos sem tributação, era vista como um incentivo à formalização. Sem ela, transações eventuais passam a ser tributadas, o que pode desestimular a entrada de novos investidores.

Representantes da criptoeconomia defenderam a manutenção de um limite mínimo, ainda que inferior ao atual, para evitar fuga de capitais para o exterior.

Também argumentaram que a medida pode prejudicar startups que oferecem produtos baseados em blockchain, como tokens de recebíveis e infraestrutura de pagamentos, pois os investidores tenderiam a migrar para ativos tradicionais menos onerados.

Outro efeito esperado é a redução da liquidez no mercado secundário brasileiro, encarecendo operações de arbitragem e impactando o ecossistema de stablecoins, hoje usado por empresas e usuários em transferências internacionais.

Tributação das bets

Além disso, o setor de apostas de quota fixa (bets), em forte expansão desde a regulamentação em 2023, também foi alvo de críticas. A MP amplia a base tributária e reforça a fiscalização sobre plataformas, incluindo novas obrigações de reporte à Receita.

Fernando Vieira, do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável, alertou que a carga adicional pode reduzir a competitividade das operadoras locais frente a sites internacionais.

Um excesso de tributação pode empurrar apostadores para plataformas não reguladas, fragilizando a arrecadação e aumentando o risco de fraude.

Por outro lado, parlamentares e representantes da sociedade civil argumentaram que a tributação das bets é necessária para reduzir práticas nocivas, gerar recursos para políticas públicas e equilibrar a competição entre empresas nacionais e estrangeiras.

Perspectiva estratégica

Do ponto de vista macroeconômico, a MP 1.303/2025 mostra o esforço do governo para ampliar a arrecadação em meio ao compromisso de zerar o déficit fiscal em 2026. O desafio é calibrar medidas sem sufocar setores inovadores.

Para o mercado de criptoativos, o impacto é duplo. De um lado, maior fiscalização e carga tributária; de outro, reconhecimento explícito de que ativos digitais já são parte integrante do sistema financeiro nacional.

Desse modo, o debate revelou um ponto de convergência entre setores, que é a necessidade de tratar Bitcoin e criptoativos de forma distinta de outros ativos especulativos.

Parlamentares reforçaram que a separação do BTC em relação às altcoins deve ser considerada em audiências futuras, reconhecendo seu papel diferenciado como reserva digital.

No campo das bets, o desafio é encontrar equilíbrio entre tributação justa, proteção do consumidor e competitividade das empresas nacionais. O risco de fuga de apostadores para plataformas não reguladas foi repetidamente citado como obstáculo a uma arrecadação sustentável.

A apresentação do relatório final da Comissão deve ocorrer em setembro, e o setor acompanha tudo de perto.

Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.

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Marta Stephens

Marta Barbosa Stephens é escritora e jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco, com mestrado na PUC São Paulo e pós-graduação em edição na Universidade de Barcelona. Trabalhou em diversas redações de jornais e revistas no Brasil. Foi repórter de economia no Jornal da Tarde, do grupo O Estado de São Paulo e editora-adjunta de finanças pessoais na revista IstoÉ Dinheiro. Atuou no mercado de edição de livros de finanças em São Paulo e foi, por seis anos, redatora-chefe da revista Prazeres da Mesa (https://www.prazeresdamesa.com.br/), antes de se mudar para Inglaterra. No Reino Unido, foi editora do jornal Notícias em Português, voltado à comunidade lusófona na Inglaterra. Escreve e edita sobre o mercado de criptomoedas e tecnologia blockchain desde 2022.