O FMI reconhece o Bitcoin como 'ativo não produzido e não financeiro' na atualização do SNA de julho de 2025.
O relatório critica o consumo energético do BTC e afirma que ele 'não gera bens ou serviços'.
Especialistas respondem que o Bitcoin consome apenas 0,07% da energia global e frequentemente utiliza fontes renováveis ou desperdiçadas.
A nova classificação pode obrigar países a declarar o estoque de criptoativos em suas contas nacionais.
Em julho de 2025, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou um dos relatórios estatísticos mais importantes da década: a atualização do System of National Accounts (SNA).
O Sistema de Contas Nacionais padroniza como os países medem produção, consumo, renda e riqueza. Mas o FMI também abriu espaço para alvejar o Bitcoin (BTC) de críticas, como faz há anos.
O relatório aponta que o Bitcoin consome tanta eletricidade quanto a Argentina, mas não é contabilizado no PIB porque não cria bens ou serviços tradicionais. Até agora, já que o Sistema de Contas Nacionais atualizado classifica os criptoativos como riqueza nacional para melhor mensuração econômica.
(Fonte: FMI)
O que é a reforma da SNA?
Essa reforma — a sexta desde os anos 1950 — foi aprovada por unanimidade pela Comissão de Estatísticas das Nações Unidas e contou com contribuições diretas do FMI, Banco Mundial, Comissão Europeia e OCDE. Além disso, marca mais um relatório onde o FMI alveja o Bitcoin de críticas.
Isso porque, entre os diversos temas que o relatório abordou, como digitalização, inteligência artificial e plataformas digitais, uma menção específica chamou a atenção do setor cripto: o Bitcoin foi classificado como um ativo não produzido e não financeiro.
Ou seja, um bem que não resulta de um processo produtivo tradicional, mas que ainda assim representa valor econômico e passa a integrar as estatísticas de riqueza nacional.
FMI justifica que BTC ‘tem impacto econômico tangível’
A justificativa para essa nova abordagem é simples: o Bitcoin ‘tem impacto econômico tangível, inclusive por consumir grandes quantidades de energia para ser produzido’.
No entanto, o próprio FMI reconhece que, apesar de seu peso pequeno entre os ativos globais, os criptoativos têm implicações importantes para a estabilidade financeira, políticas fiscais e regulação. ‘Mensurar criptoativos é crucial do ponto de vista da formulação de políticas públicas’, afirma o relatório.
Essa inclusão representa um marco, e posiciona o Bitcoin entre as criptomoedas promissoras. Pela primeira vez, países passam a ter orientação clara sobre como registrar criptoativos em suas estatísticas econômicas.
Até então, não havia consenso global sobre onde — ou mesmo se — Bitcoin, stablecoins ou tokens deveriam aparecer nos balanços macroeconômicos. A nova diretriz resolve essa lacuna e se alinha com atualizações também previstas no manual de Balanço de Pagamentos (BPM).
Mas o relatório do FMI não deixa de lançar críticas. Ele afirma que, embora o Bitcoin tenha impacto econômico, ele não gera bens ou serviços e tem alto custo energético para existir — o que o tornaria, nas palavras do texto, ‘um caso particularmente desafiador para a mensuração econômica’.
Por que o SNA importa e o que muda com o Bitcoin?
O Sistema de Contas Nacionais é um conjunto de padrões que define como os países medem indicadores como PIB, renda, poupança, investimento, consumo das famílias, dívida pública e riqueza. Ele é a base dos dados que orientam decisões de bancos centrais, ministérios da Fazenda e agências de classificação de risco.
Em sua nova versão, o SNA incorpora tecnologias que não existiam em 2008 — data da última reforma — como ativos digitais, aplicativos, computação em nuvem, inteligência artificial e plataformas peer-to-peer.
No campo das criptomoedas, a principal inovação é a criação da categoria de non-produced nonfinancial assets (ativos não produzidos e não financeiros), onde Bitcoin e outros tokens se encaixam.
Essa nova classificação aproxima o Bitcoin de ativos como terra, espectro eletromagnético ou reservas naturais — itens que não são produzidos, mas têm valor econômico mensurável. O FMI afirma que isso ajuda a ‘preparar os padrões estatísticos para o futuro’ e dá aos países ferramentas para refletir corretamente a realidade da digitalização.
FMI critica consumo energético do Bitcoin
Apesar do reconhecimento estatístico, o relatório não poupa críticas ao Bitcoin. Segundo o FMI, o ativo consome grandes quantidades de energia para ser ‘produzido’ e não gera serviços ou bens tradicionais. Ponto que, na visão da entidade, dificulta sua justificativa econômica.
Essa crítica não é nova. O FMI já publicou, em 2024, relatórios alertando que a mineração de criptoativos e operações de IA juntas consumiriam até 3,5% da energia global até 2027, e o Bitcoin seria responsável por 0,7% disso.
No texto de julho de 2025, o consumo de energia é um argumento indireto para justificar o desafio de incluir o BTC no PIB: como não há bem ou serviço no processo de mineração, o valor gerado é intangível, mas não irrelevante.
Setor reage: ‘consumo é pequeno e valor é liberdade monetária’
A reação do setor cripto foi rápida. Analistas lembraram que o consumo energético do Bitcoin equivale a apenas 0,07% da energia global, segundo dados do Cambridge Centre for Alternative Finance. Isso o coloca em linha com outras indústrias muito menos questionadas, como jogos eletrônicos ou secadores de cabelo industriais.
Além disso, a mineração de Bitcoin tem migrado fortemente para fontes renováveis ou excedentes energéticos. Como, por exemplo, energia hidrelétrica ociosa, gás queimado em refinarias ou energia solar em regiões remotas. Nesse contexto, o Bitcoin atua como ‘consumidor de último recurso’, monetizando energia que de outra forma seria desperdiçada.
Mas o principal argumento vai além do consumo: o valor do Bitcoin está em sua função social, dizem os defensores. ‘O serviço que ele presta é dar às pessoas uma alternativa quando o FMI faz um acordo com seu governo para desvalorizar sua moeda’, escreveu um usuário no X, viralizando ao se referir a episódios como o do Zimbábue, Argentina e Líbano.
Nesse sentido, o Bitcoin é como um seguro contra políticas monetárias inflacionárias ou falhas bancárias sistêmicas. Sua função de reserva de valor, liquidez transfronteiriça e resistência à censura monetária não se encaixa no PIB tradicional — mas tem efeito direto sobre riqueza e soberania individual.
O desafio geopolítico dos dados
Ao instruir países a contabilizar o Bitcoin em suas estatísticas patrimoniais, o FMI também amplia o alcance político do tema. Países que antes ignoravam criptoativos agora receberão incentivos para medir e declarar seu estoque nacional de cripto — tanto em poder do setor público quanto privado.
Isso levanta perguntas delicadas: países com populações que usam mais BTC serão mais ‘ricos’ nas contas internacionais? E como lidar com a volatilidade desses ativos em séries históricas de riqueza?
Além disso, a separação entre uso legal e ilícito de criptoativos será uma área cinzenta. O SNA não distingue se os bitcoins declarados foram usados para remessas, reservas empresariais ou atividades ilegais. Ele apenas reconhece sua existência como parte do estoque patrimonial.
O futuro: mensurar para regular (e reconhecer)
Apesar das ressalvas, a atualização do SNA é vista como uma vitória parcial para o setor cripto. O Bitcoin passa a ter reconhecimento oficial como forma de riqueza. Isso pode abrir portas para políticas públicas mais pragmáticas — inclusive tributárias — que levem em conta sua relevância real, e não apenas sua narrativa política.
Por outro lado, o FMI mantém uma linha crítica. Ao sinalizar que o Bitcoin consome energia sem gerar bens, ele reforça a visão de que o criptoativo é um desafio para a economia. A tensão entre reconhecimento e reprovação continuará.
Enquanto isso, o mercado reage. Investidores já especulam que o próximo passo será a inclusão de stablecoins nas contas financeiras. O que tornaria tokens como o USDT ainda mais centrais nas estatísticas monetárias globais.
Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.
Flavio Aguilar é jornalista e economista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua há mais de 15 anos como repórter e editor em jornais e portais de notícias no Brasil. No momento, está cursando o mestrado em estudos literários da Universidade do Porto.
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