Embora focadas nas empresas, as normas ampliam o nível de rastreabilidade das transações e fortalecem o cruzamento de dados com a Receita Federal.
A regulamentação publicada pelo Banco Central do Brasil (BCB) nesta segunda-feira (10) promete mudar a operação das exchanges e empresas de custódia de criptoativos. Contudo, também viabilizará o aumento do nível de transparência exigido sobre as transações de investidores.
Com isso, a Receita Federal também terá um maior controle sobre as operações, conforme conta Victoria Galasso, fundadora da Liberaction, à Coinspeaker.
As Resoluções nº 519, 520 e 521, que entram em vigor em 2 de fevereiro de 2026, consolidam o marco regulatório para prestadoras de serviços de ativos virtuais (SPSAVs) e enquadram pagamentos internacionais com criptomoedas dentro das regras do mercado de câmbio.
Embora a norma tenha como foco as instituições, seus efeitos tendem a reverberar diretamente sobre a vida tributária dos investidores. Eles passam a ter operações mais rastreáveis, detalhadas e, portanto, mais facilmente fiscalizáveis pela Receita Federal.
A fundadora da Liberaction, Victoria Galasso, explica que o movimento do Banco Central é o desdobramento natural do Marco Legal das Criptomoedas (Lei nº 14.478/2022), que havia conferido à autarquia o poder de supervisionar o setor.
Agora, o BCB começa a exercer esse papel com medidas que ampliam o nível de monitoramento sobre o ecossistema.
‘O marco legal das criptomoedas reconhecia o Banco Central como órgão responsável pela gestão dos criptoativos, mas ele não trazia detalhes sobre como isso seria feito.
Agora o Banco Central está, aos poucos, dizendo como pretende regular. As resoluções publicadas são uma instrução direta, sem depender de aprovação legislativa, e entram em vigor em fevereiro’, explicou Victoria.
O que muda com as novas resoluções
Na prática, o Banco Central está transformando as prestadoras de serviços com cripto, como exchanges e custodiante, em instituições de pagamento supervisionadas, com regras semelhantes às aplicadas a bancos e fintechs.
Isso significa que, a partir de 2026, todas as transações realizadas por meio de empresas reguladas serão monitoradas e registradas segundo padrões de compliance financeiro e cambial.
Victoria resume o movimento como uma ampliação do ‘raio de alcance regulatório’ do Banco Central.
Essas instituições de pagamentos virtuais são as empresas que fazem custódia e transações de cripto. Agora, quando elas pegam um cliente, serão obrigadas a fazer um know your customer muito mais seguro. E quando realizam as transações, terão de informar muito mais dados: o motivo da operação, a origem e o destino dos fundos, a carteira usada, o país de contraparte, etc.
Em outras palavras, o nível de informação exigido para cada movimentação digital entre as melhores criptomoedas aumenta consideravelmente.
Isso, do ponto de vista tributário, reforça o poder de cruzamento de dados da Receita Federal.
Do marco legal à transparência fiscal
As novas regras não alteram diretamente a tributação sobre ganhos de capital com criptomoedas. Esta continua sujeita ao Imposto de Renda, conforme já definido pela Instrução Normativa nº 1888/2019 da Receita Federal.
Contudo, elas revolucionam a forma como as informações chegam ao Fisco, tornando mais difícil para investidores omitir operações.
Desde 2019, as exchanges sediadas no Brasil são obrigadas a reportar mensalmente todas as transações de seus clientes à Receita Federal.
Agora, com as resoluções do Banco Central, essa obrigação ganha caráter prudencial e regulatório, além do fiscal.
A diferença é que, antes, a Receita dependia das próprias empresas para envio de dados padronizados.
Agora, o Banco Central passa a supervisionar em tempo real o comportamento operacional dessas instituições, cruzando informações entre o sistema financeiro e o mercado de criptoativos.
Essa integração aumenta a capacidade do governo de identificar movimentações atípicas, fluxos internacionais e possíveis inconsistências entre o que é declarado no Imposto de Renda e o que é efetivamente movimentado em stablecoins, Bitcoin ou outros ativos digitais.
Mais transparência e menos margem para erro para o Leão
Para Victoria, o erro mais comum entre os investidores é imaginar que as resoluções do BC são voltadas ao investidor individual. Na verdade, elas miram as empresas intermediárias. Mas o efeito prático recai sobre o contribuinte.
‘Um dos erros que pode acontecer é pensar que é para o investidor. Não é. O Banco Central está usando seu poder de regular instituições de pagamento, ou seja, as empresas que prestam serviços de cripto. Mas, como consequência, essas empresas terão de coletar e enviar muito mais informações. Isso significa que o investidor também será muito mais visível para o sistema’, observou.
Na prática, o investidor que movimenta ativos em plataformas brasileiras passará a ter todas as operações detalhadas e registradas em conformidade regulatória. Não obstante, com a nova norma as exchanges estrangeiras precisarão passar a operar no Brasil com uma entidade brasileira.
Ou seja, como define a própria Instrução Normativa nº 1888/2019 da Receita Federal, agora todas exchanges terão de reportar à Receita Federal uma vez que estão atuando no Brasil.
Com isso, aumentam as chances de a Receita cruzar automaticamente saldos, ganhos e transferências internacionais. Principalmente em um momento em que o país busca maior integração tributária internacional com padrões como o CRS (Common Reporting Standard), da OCDE.
Rota de convergência entre Bacen e Receita Federal
Embora o Banco Central e a Receita Federal tenham papéis distintos, as novas normas da instituição aproximam suas funções. Enquanto o BC atua na supervisão prudencial e cambial, a Receita cuida da tributação e arrecadação. Mas ambas passam a compartilhar um denominador comum: o acesso a dados detalhados de transações digitais.
Esse compartilhamento é facilitado pelo próprio texto das resoluções, que obriga as SPSAVs a manterem registros auditáveis e relatórios de risco.
Esses dados, como motivo de transação, natureza da operação, país de destino, origem dos recursos, são exatamente os parâmetros que a Receita usa para identificar movimentações com potencial de ganho de capital ou omissão fiscal.
Na avaliação de especialistas, o investidor que mantinha parte do portfólio em exchanges internacionais ou carteiras autocustodiadas (cold wallets) deverá ficar mais atento à origem e destino dos valores transferidos, especialmente se utilizar stablecoins para enviar ou receber recursos do exterior.
Como explicou Victoria, o Banco Central quer mapear essas operações internacionais, antes vistas apenas como movimentações privadas.
‘Agora o Banco Central está pedindo que as instituições informem não só mais sobre custódia, mas também sobre transações. Ou seja, o motivo de transação, para quem vai, de quem vem, via qual carteira etc.’
Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.
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