Analistas afirmam que, embora o impacto de curto prazo tenha sido brutal, a correção pode preparar o terreno para um novo ciclo de acumulação saudável do Bitcoin.
O mercado de criptomoedas enfrentou, na última sexta-feira (10/10), um dos dias mais dramáticos de sua história. Em poucas horas, bilhões de dólares em posições alavancadas foram liquidados após o anúncio surpresa de novas tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos à China.
Segundo o relatório da 21Shares, intitulado ‘Record Crypto Liquidations Amid Tariff Shock’, o episódio marcou o maior evento de liquidação da história do setor, com mais de US$ 19 bilhões em posições encerradas automaticamente, afetando mais de 1,6 milhão de traders em todo o mundo.
O chamado ‘tariff shock’, o choque das tarifas, desencadeou uma reação em cadeia que derrubou os preços do Bitcoin, do Ethereum e de praticamente todas as principais criptomoedas, em um cenário que combinou pânico, excesso de alavancagem e falhas de liquidez no sistema.
O gatilho foi político. O presidente Donald Trump anunciou tarifas de 100% sobre produtos tecnológicos chineses, em resposta a alegadas práticas comerciais desleais. O comunicado, feito no meio da tarde, pegou de surpresa os mercados globais, que reagiram instantaneamente.
O impacto das tarifas sobre o mercado cripto
A fuga de capitais de ativos de risco atingiu em cheio o mercado cripto, que já vinha operando em níveis de sobrecompra após semanas de valorização. Dentro de minutos, milhares de posições alavancadas começaram a ser liquidadas em exchanges centralizadas e descentralizadas.
O relatório da 21Shares observa que a falta de liquidez e o uso generalizado de alavancagem foram os principais fatores que transformaram uma correção normal em um colapso sistêmico.
Na Hyperliquid, uma das maiores plataformas de derivativos descentralizados do mundo, mais de US$ 10 bilhões em contratos foram liquidados. O modelo automatizado da DEX, que executa liquidações diretamente no livro de ordens, mostrou eficiência técnica, mas revelou a fragilidade de um sistema altamente interconectado e sem amortecedores institucionais.
Altcoins sofreram mais
Esse movimento arrastou também o Ethereum, que chegou a tocar os US$ 3.650 antes de recuperar parte das perdas. Já as criptomoedas promissoras com liquidez menor sofreram quedas de até 40%, e algumas levaram dias para se estabilizar.
De acordo com o relatório da 21Shares, US$ 16,8 bilhões das liquidações foram de posições longas. Ou seja, de investidores apostando na alta. Isso demonstra o quão assimétrico foi o movimento. O mercado estava super exposto ao otimismo, e qualquer evento macroeconômico negativo tinha potencial para acionar uma reação em cascata.
A análise destaca também que boa parte dessas posições estava com alavancagem de 10 a 25 vezes. Isso significa que pequenas variações de preço foram suficientes para eliminar margens inteiras.
Fragilidades expostas
O episódio expôs uma fragilidade estrutural que vai além das tarifas em si. As exchanges de derivativos, especialmente as descentralizadas, operam em um ecossistema interligado por oráculos de preço e contratos automáticos.
Quando há uma oscilação abrupta, as atualizações de preço entre plataformas podem apresentar defasagens. E foi justamente isso que ocorreu. Um descompasso de cerca de 1,5% nos oráculos utilizados por Hyperliquid e Binance gerou liquidações em sequência, que impactaram os índices de preço globais, ampliando o pânico.
Para a 21Shares, essa sincronização imperfeita é o equivalente, no mundo cripto, a um ‘flash crash’. Ou seja, a um colapso de liquidez que recebe maior proporção por automação e velocidade de execução.
Apesar do cenário de caos, o relatório da 21Shares aponta que o episódio serviu como um ‘teste de estresse’ para a infraestrutura de derivativos cripto, que, embora abalada, permaneceu funcional.
Nenhuma grande exchange reportou insolvência ou falha operacional. Portanto, apesar da violência dos movimentos, o sistema como um todo demonstrou resiliência técnica.
O que o futuro reserva
Para Guilherme Prado, country manager da Bitget, o cenário atual reflete uma das semanas mais turbulentas da história recente do mercado cripto, marcada por fatores macroeconômicos globais e pela escalada das tensões comerciais entre EUA e China. Segundo ele:
O anúncio de tarifas de 100% sobre produtos chineses e medidas envolvendo o comércio de terras raras gerou um movimento de forte aversão ao risco, acelerando a desalavancagem e resultando em cerca de US$ 20 bilhões em liquidações em apenas um dia — um dos maiores volumes já registrados.
Segundo Prado, esse efeito ampliou a pressão vendedora sobre Bitcoin e Ethereum, mas também cumpriu um papel importante ao ‘limpar’ o excesso de especulação no sistema.
Apesar da volatilidade de curto prazo, essa correção é saudável, pois reduz posições excessivamente alavancadas e cria condições mais estáveis para um novo ciclo de acumulação.
O executivo observou ainda que o Bitcoin mostra sinais de estabilização em torno de US$ 113.700, com resistência imediata entre US$ 115.000 e US$ 116.500. Um fechamento diário consistente acima dessa faixa, acompanhado por fluxos positivos em ETFs spot, poderia abrir caminho para uma retomada rumo aos US$ 125.000.
No curto prazo, o mercado deve consolidar entre US$ 108.000 e US$ 116.500 enquanto digere os choques macroeconômicos recentes. No médio prazo, projetamos o BTC retomando níveis em torno de US$ 130.000 e o ETH alcançando US$ 4.800, apoiados por fluxos institucionais via ETFs e DATs.
Fundamentos seguem intactos
A análise de André Franco, CEO da Boost Research, reforça esse diagnóstico de instabilidade temporária, mas com fundamentos intactos. De acordo com Franco:
Os mercados asiáticos recuaram sob o impacto das tensões comerciais, mas declarações mais brandas no fim de semana ajudaram a suavizar o pânico inicial. O dólar e o iene mostraram volatilidade, enquanto o ouro atingiu novas máximas e o petróleo subiu diante da perspectiva de um acordo comercial.
Para o CEO, o Bitcoin foi o principal termômetro do medo:
O ativo despencou de US$ 121.000 para US$ 105.000 em apenas sete horas, registrando uma das maiores liquidações diárias da história. Aproximadamente US$ 20 bilhões foram liquidados, dos quais US$ 16,7 bilhões vieram de posições long. O choque das tarifas sobre tecnologia chinesa atingiu diretamente o sentimento do mercado e provocou distorções de preço em ativos lastreados.
No momento, com o Bitcoin cotado próximo de US$ 114.700, Franco avalia que o cenário de curto prazo é neutro a levemente negativo:
As tensões comerciais elevadas aumentam o risco de aversão e podem retirar capital de ativos mais voláteis. O dólar forte e a busca por refúgio em ouro e títulos americanos limitam o espaço para grandes altas. Ainda assim, o apelo por ativos alternativos em um ambiente geopolítico hostil oferece algum suporte. É provável que o BTC oscile entre US$ 110.000 e US$ 117.000 nas próximas semanas, com viés de queda caso novas tarifas aconteçam.
Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.
next