O que pode mudar com a consulta pública do BC sobre criptoativos?
O texto reconhece a tokenização como parte da estrutura regulatória e define novos limites e classificações para ativos digitais, stablecoins e instituições de menor porte.
Proposta define regras prudenciais para exposição de bancos e fintechs a ativos digitais e tokenizados.
Texto adota a estrutura internacional de dois grupos e quatro subgrupos (1A, 1B, 2A e 2B).
Apenas emissões reguladas de stablecoins e com lastro verificado terão reconhecimento prudencial.
Instituições do segmento S5 e Tipo 2 ficam proibidas de se expor a criptoativos.
Regulação pavimenta a conexão entre tokenização, stablecoins e o real digital.
O Banco Central (BC) deu mais um passo no processo de regulamentação do mercado de ativos digitais. No dia 25 de outubro, a autarquia publicou a Consulta Pública 126/2025, que propõe regras prudenciais para exposição a criptoativos e tokenização de ativos financeiros.
O texto aproxima o Brasil dos padrões de Basileia e cria um arcabouço de supervisão para bancos, instituições de pagamento e prestadores de serviços de ativos virtuais (VASPs).
A proposta do BC define como as instituições financeiras deverão classificar, ponderar e gerir riscos associados a criptoativos, incluindo tokens de utilidade, valores mobiliários tokenizados e stablecoins.
Pela primeira vez, a autoridade monetária brasileira reconhece formalmente a tokenização de ativos tradicionais, como CDBs, LCIs, LCAs e recebíveis, dentro de um modelo prudencial semelhante ao aplicado aos ativos bancários convencionais.
Consulta Pública nivela os mercados
De acordo com Alexandre Vargas, counsel da área de Serviços Financeiros do TozziniFreire Advogados, o movimento da Consulta Pública ‘nivela o campo de jogo’ entre o mercado tradicional e o universo tokenizado.
‘O BC reconhece a equivalência entre ativos tradicionais e seus equivalentes tokenizados, conferindo paridade para fins de Basileia. O custo de capital para que bancos carreguem tokens em seus balanços passa a depender do lastro do ativo, e não do formato digital em si’, explica.
Segundo Vargas, essa mudança pode acelerar a migração de instrumentos financeiros para a blockchain.
‘Ao permitir que bancos e instituições financeiras incluam ativos tokenizados em seus balanços, o BC abre o caminho para uma adoção em larga escala no mercado de capitais, tanto em renda fixa e securitização quanto em produtos de captação bancária como CDBs, LCIs e LCAs. É um complemento direto à proposta da CVM, voltada para emissões de menor porte via crowdfunding.’
A arquitetura proposta pelo Banco Central segue o modelo internacional delineado pelo Basel Committee on Banking Supervision (BCBS), formalizado em 2024. O texto brasileiro replica a taxonomia de dois grandes grupos e quatro subgrupos de ativos digitais.
1A (tokens de ativos tradicionais), 1B (stablecoins), 2A (ativos tokenizados com hedge reconhecido) e 2B (demais criptoativos não colateralizados). Cada categoria tem exigências diferentes de capital e restrições proporcionais ao risco.
Consulta Pública pode trazer clareza e segurança jurídica
Para Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, sócio do CBA Advogados, essa estrutura traz clareza e segurança jurídica para o sistema financeiro. ‘A proposta aproxima o Brasil dos padrões do BCBS, ao vincular a exigência de capital à natureza do ativo subjacente e à capacidade de mitigação de risco. Além disso, integra a tokenização à estrutura de gerenciamento contínuo de riscos prevista na Resolução CMN 4.557/2017, o que coloca os ativos digitais no mesmo nível de governança exigido para exposições financeiras tradicionais.’
Borges destaca que o reconhecimento regulatório e prudencial dessas exposições é condição essencial para que bancos e custodiante possam operar com ativos digitais sem risco de sanções de capital.
Avanço regulatório pode encarecer entrada de players
Por outro lado, ele adverte que o avanço regulatório tende a elevar custos de conformidade. ‘Players menores e fintechs terão de investir em infraestrutura tecnológica, compliance prudencial e mensuração de risco. Incluindo cálculo de RWA (ativos ponderados pelo risco) e envio contínuo de dados ao BCB.’
Um dos pontos mais sensíveis da minuta é o tratamento dado às stablecoins. O BC propõe restringir o enquadramento prudencial às stablecoins emitidas sob supervisão regulatória e com lastro totalmente verificado, proibindo modelos algorítmicos.
Na prática, stablecoins descentralizadas e sem colateral como UST e DAI na versão algorítmica original ficam excluídas do reconhecimento prudencial. ‘A diretriz está alinhada ao modelo europeu sob o MiCA, que exige governança, transparência e reservas auditadas’, explica Borges.
A advogada Maria Eduarda Nunes, do escritório Bento Muniz Advocacia, observa que o Brasil adota integralmente a arquitetura de Basileia. Dessa maneira, se posiciona entre os países mais alinhados às normas internacionais.
‘O BCB é membro do BCBS desde 2009 e, pela CP 126/2025, reproduz a mesma estrutura dos dois grupos e quatro subgrupos, com capital equivalente ao ativo subjacente para 1A e 1B, e limites mais rígidos para 2A e 2B.’
No entanto, ela alerta para um efeito colateral importante: a exclusão das instituições de menor porte da exposição a ativos tokenizados. ‘Pelas minutas, instituições do segmento S5 — aquelas com participação inferior a 0,1% do PIB — e os conglomerados ‘Tipo 2’, liderados por instituições de pagamento, ficam impedidos de se expor a ativos digitais. Isso pode gerar uma concentração de inovação nos grandes bancos, em detrimento de cooperativas e fintechs que atendem micro e pequenas empresas.’
Vedação absoluta fere proporcionalidade
Para Maria Eduarda, a vedação absoluta fere a proporcionalidade e a inclusão financeira. ‘Uma fintech de pagamentos poderia usar stablecoins totalmente lastreadas para reduzir custos de micropagamentos ou implementar programas de cashback. A proibição afasta esse tipo de inovação e concentra a tokenização nos grandes players.’
O Banco Central, por sua vez, argumenta que a restrição visa mitigar riscos sistêmicos e garantir a solidez das instituições expostas a ativos voláteis.
O órgão defende que o modelo de autorização gradual e proporcional por porte reduz a assimetria de informações. Além disso, evita que instituições pequenas sofram impactos desproporcionais de eventuais perdas com criptoativos.
Mesmo assim, a tensão entre segurança e inclusão volta ao centro do debate. Enquanto as regras prudenciais elevam a credibilidade do ecossistema, elas também podem limitar a entrada de novos players e encarecer a inovação. ‘É preciso buscar um equilíbrio. A exclusão total de segmentos S5 pode prejudicar a disseminação da tecnologia em mercados regionais, onde cooperativas e fintechs têm papel essencial na democratização financeira’, complementa Maria Eduarda.
Para Alexandre Vargas, a consulta pública tem mérito por definir ‘as regras do jogo’ antes da entrada em vigor do regime de autorizações para VASPs, previsto para 2026.
‘A iniciativa cria uma base prudencial para tokenização e criptoativos no sistema financeiro nacional. Portanto, permite que bancos possam experimentar e integrar essas estruturas de forma segura. O resultado é um ambiente mais maduro, onde a inovação pode ocorrer dentro de parâmetros regulatórios claros.’
Terreno para inovação
Já Rodrigo Borges acrescenta que o impacto vai além da prudência bancária. ‘O BC está preparando o terreno para a integração entre o sistema bancário, a tokenização de ativos e o Drex, o real digital.
Quando essa estrutura estiver madura, o Brasil terá condições de criar mercados de título tokenizado com custódia direta, compartilhando a mesma infraestrutura tecnológica do Drex.’
Além disso, o texto também prevê obrigatoriedade de disclosure detalhado sobre posições em ativos digitais, controle de liquidez e limites para exposições a tokens não colateralizados (Grupo 2B). Com isso, o Brasil se aproxima de mercados como o da União Europeia e de Hong Kong, que já adotam abordagens prudenciais específicas para criptoativos em bancos.
O mercado tem até o final de dezembro para enviar contribuições à consulta. Até lá, a discussão sobre como equilibrar segurança financeira, inclusão e inovação deve se intensificar entre bancos, fintechs e especialistas. Se aprovadas como estão, as minutas do BC podem definir por anos o ritmo de integração entre criptoativos, tokenização e sistema financeiro tradicional no Brasil.
Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.
Leonardo Cavalcanti é jornalista especializado em criptomoedas, blockchain e finanças digitais. Além de tocar projetos próprios como o podcast BlockHistory. Também trabalha em desenvolvimento de negócios no ecossistema cripto como parceiro comercial Azify, com foco em parcerias estratégicas, tokenização e soluções de infraestrutura financeira.
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