Receita Federal anuncia medidas após Operação Carbono Oculto; entenda impacto nas exchanges

Novas regras visam fechar brechas usadas em esquemas de ocultação de patrimônio.

Marta Stephens By Marta Stephens Flavio Aguilar Edited by Flavio Aguilar Atualizado em 7 mins read
Receita Federal anuncia medidas após Operação Carbono Oculto; entenda impacto nas exchanges

Resumo da notícia

  • IN RFB 2.278/2025 equipara fintechs a bancos em obrigações fiscais.
  • Instituições de pagamento passam a reportar dados à Receita via e-Financeira.
  • Norma amplia impacto sobre o setor cripto, reforçando exigências de compliance.
  • Medida busca fechar brechas para lavagem de dinheiro, mas pode elevar custos e sufocar startups.

A Receita Federal emitiu a Instrução Normativa RFB nº 2.278, com a qual instituições de pagamento e participantes de arranjos de pagamentos passam a ser equiparados a bancos no cumprimento das obrigações fiscais.

A medida obriga fintechs, emissores de carteiras digitais, provedores de pagamentos instantâneos e outros players a enviarem informações de saldos e movimentações financeiras diretamente ao Fisco. Portanto, funciona nos moldes da e-Financeira, já exigida de bancos desde 2015.

O objetivo central é fechar brechas que criminosos usam para ocultação de patrimônio, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. A medida acontece em um momento de digitalização dos meios de pagamento e logo depois de um verdadeira escândalo na Faria Lima.

A mudança surgiu após investigações recentes, como a Operação Carbono Oculto. A operação escancarou que fintechs e arranjos de pagamento eram usados para escoar bilhões em transações ilícitas sem o mesmo nível de fiscalização de bancos.

A Receita Federal também destacou que a medida faz parte de um esforço maior de harmonização regulatória. Desse modo, insere fintechs e startups no mesmo patamar de responsabilidade que bancos e corretoras tradicionais.

O que foi a Operação Carbono Oculto da Receita Federal

A Operação Carbono Oculto, que ocorreu na última semana, é considerada a maior ofensiva contra o crime organizado na economia formal brasileira.

Coordenada pela Polícia Federal em parceria com a Receita Federal, Gaeco e polícias estaduais, a investigação revelou um sofisticado esquema de adulteração e distribuição de combustíveis associado ao PCC, que movimentou cerca de R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.

A fraude envolvia desde a importação de metanol e nafta até a operação de uma rede com mais de mil postos espalhados por dez estados, permitindo tanto evasão fiscal quanto lavagem de dinheiro em larga escala.

O caso chamou atenção não apenas pela dimensão financeira, mas também pelo grau de infiltração do crime organizado em estruturas legítimas do mercado. Segundo a PF, parte dos recursos ilícitos foi canalizada para 40 fundos de investimento, com patrimônio estimado em R$ 30 bilhões, muito disso operado em empresas da Avenida Faria Lima, em São Paulo.

Ou seja, a conexão direta entre um esquema de base criminal e os corredores do sistema financeiro oficial expôs fragilidades regulatórias e falhas de compliance em fintechs e gestoras que atuaram como canais para escoar o dinheiro.

Os impactos sobre o mercado de criptoativos

Desde 2019, quando editou-se a IN 1.888, o Brasil já exigia o reporte de operações com criptomoedas. Exchanges nacionais têm obrigação de informar todas as transações mensais, enquanto investidores que operam acima de R$ 30 mil também devem prestar contas.

Em 2024, a Receita Federal abriu consulta pública para a criação da chamada DeCripto, uma declaração de ativos digitais alinhada ao Crypto Asset Reporting Framework (CARF) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A nova IN 2.278 deve funcionar como um complemento, ampliando o alcance da fiscalização para empresas que atuam em serviços de pagamentos digitais. Em muitos casos, elas oferecem também acesso a criptoativos.

Ou seja, isso inclui carteiras digitais integradas a stablecoins, exchanges internacionais que operam via arranjos de pagamento no Brasil e emissores de cartões vinculados a saldos em cripto.

Portanto, as linhas entre fintechs, pagamentos e cripto ficaram mais tênues no âmbito regulatório. Desse modo, o investidor que deseja investir nas melhores criptomoedas precisará acessar um mercado com maior regulação.

No entanto, as exhanges também passam por sua própria regulação, enquanto Provedores de Serviços de Ativos Virtuais (VASPs). Portanto, o impacto depende também de como o regulador vai tratar essas instituições no futuro. Mas já é possível desenhar um cenário com base no que já está vigente.

Impactos diretos para o setor cripto brasileiro

Fim da ‘zona cinzenta’ para carteiras digitais: Muitos provedores de carteiras cripto, que operavam sob a estrutura de instituições de pagamento, agora precisarão reportar dados de seus clientes. Isso significa que transferências internas entre usuários, depósitos em stablecoins e até conversões rápidas de real para BTC ou ETH estarão sob escrutínio.

Aumento de custos de compliance: Exchanges brasileiras já investem em tecnologia para cumprir a IN 1.888. Agora, terão de integrar sistemas de reporte mais robustos, alinhados à e-Financeira, que exige detalhamento de saldo, CPF/CNPJ e histórico de movimentações. Isso pode pressionar startups menores a buscar fusões, encerrar operações ou operar fora do Brasil.

Impacto sobre stablecoins e PIX: O uso de USDT e USDC em transações P2P era uma alternativa para usuários que buscavam liquidez rápida e barata. A partir de agora, instituições que oferecem essa ponte entre reais e stablecoins precisarão entregar relatórios completos, reduzindo a atratividade de operações fora do radar.

Risco de fuga para plataformas internacionais: A falta de isenção mínima (como o teto de R$ 20 mil ainda existente para ações) pode desestimular investidores de varejo. Parte desse público pode migrar para exchanges offshore, que oferecem anonimato e menores exigências, reduzindo a eficácia da medida.

Fortalecimento do mercado regulado: Em contrapartida, exchanges que buscam institucionalização devem ganhar terreno. O movimento pode levar bancos e corretoras tradicionais a expandirem sua atuação em cripto.

A visão das fintechs

Associações do setor manifestaram preocupação. Diego Pérez, presidente da ABFintechs, argumenta que ‘impor obrigações equivalentes às dos grandes bancos pode sufocar startups que operam com equipes reduzidas e margens pequenas’.

Para ele, a medida pode gerar desigualdade competitiva e prejudicar a inovação, uma vez que fintechs tendem a ser mais ágeis do que bancos no lançamento de novos serviços.

Além disso, as fintechs alertam que o aumento do custo de compliance inevitavelmente será repassado ao consumidor, seja via taxas mais altas, spreads maiores ou exigências de cadastro mais complexas.

O olhar do setor cripto

Exchanges brasileiras veem o movimento com ambiguidade. Por um lado, o compliance mais rígido reduz a concorrência desleal de plataformas informais, fortalecendo quem já investiu em regulação. Por outro, a falta de incentivos, como isenção mínima, pode reduzir a base de usuários ativos no Brasil.

Especialistas do setor apontam que a IN 2.278 pode reduzir a liquidez no mercado doméstico, dificultando a arbitragem e encarecendo operações. Isso pode afetar diretamente startups que dependem de volumes médios diários para sustentar margens.

Além disso, outro ponto citado é o impacto sobre serviços de tokenização de ativos, hoje em crescimento no país. Plataformas que oferecem tokens de recebíveis, precatórios e imóveis precisarão se adequar às mesmas regras de reporte de bancos — algo que pode desestimular novos entrantes.

Perspectiva estratégica: legitimidade versus sufoco

Do ponto de vista macro, a medida fortalece a legitimidade institucional do mercado cripto. Para investidores institucionais, o alinhamento de fintechs e exchanges ao mesmo padrão dos bancos gera mais confiança. Isso pode abrir portas para fundos de pensão, seguradoras e grandes bancos ampliarem sua exposição ao setor.

Por outro lado, há o risco de que o excesso de exigências acabe travando a inovação local. Se startups não tiverem condições de competir, o mercado pode ficar concentrado em grandes players internacionais, reduzindo a pluralidade que marcou a revolução das fintechs no Brasil.

Objetivo da Receita Federal é fechar cerco

A IN RFB nº 2.278/2025 representa um marco para o sistema financeiro brasileiro — para melhor e para pior. Ao equiparar fintechs e arranjos de pagamento a bancos, a Receita busca fechar brechas históricas, fortalece o combate à evasão fiscal e insere o Brasil no mapa global de transparência financeira.

Para o setor cripto, isso significa ao mesmo tempo uma oportunidade e um desafio. Afinal, abre caminho para uma maior institucionalização e confiança, mas impõe custos elevados e riscos de fuga de capital para plataformas internacionais.

O futuro dependerá da forma como o governo conduzirá a transição: se haverá diálogo contínuo e suporte técnico para startups se adaptarem, ou se prevalecerá uma postura punitiva imediata. Uma coisa é certa: o Brasil entrou de vez na era da fiscalização digital integrada, e criptoativos estão no centro dessa transformação.

Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.

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Marta Stephens

Marta Barbosa Stephens é escritora e jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco, com mestrado na PUC São Paulo e pós-graduação em edição na Universidade de Barcelona. Trabalhou em diversas redações de jornais e revistas no Brasil. Foi repórter de economia no Jornal da Tarde, do grupo O Estado de São Paulo e editora-adjunta de finanças pessoais na revista IstoÉ Dinheiro. Atuou no mercado de edição de livros de finanças em São Paulo e foi, por seis anos, redatora-chefe da revista Prazeres da Mesa (https://www.prazeresdamesa.com.br/), antes de se mudar para Inglaterra. No Reino Unido, foi editora do jornal Notícias em Português, voltado à comunidade lusófona na Inglaterra. Escreve e edita sobre o mercado de criptomoedas e tecnologia blockchain desde 2022.