Câmara debateu o Projeto de Lei 4.501/2024, que cria a reserva estratégica de Bitcoin (RESbit).
Proposta prevê alocar até 5% das reservas internacionais brasileiras em BTC.
Defensores citam soberania econômica, proteção cambial e estímulo à inovação.
Críticos alertam para volatilidade do Bitcoin, riscos fiscais e falta de arcabouço regulatório.
A Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira (20/8), no plenário 11, a primeira audiência pública sobre o Projeto de Lei 4.501/2024, que propõe a criação de uma reserva estratégica soberana de Bitcoin (BTC) no Brasil.
A iniciativa, batizada de RESbit, tem autoria do deputado Eros Biondini (PL-MG) e prevê que até 5% das reservas internacionais brasileiras sejam alocadas em BTC, sob gestão do Banco Central.
O tema movimentou parlamentares, representantes de órgãos públicos, bancos e empresas do setor de criptoativos, que se reuniram para debater as oportunidades e riscos de uma medida que poderia reposicionar o Brasil no cenário da economia digital global.
O que prevê o projeto RESbit
O texto apresentado por Biondini sugere que o Brasil adote uma estratégia semelhante àquela implementada nos Estados Unidos, após a aprovação de uma lei apoiada pelo presidente Donald Trump no início do ano, que estabeleceu reservas americanas em Bitcoin.
Segundo a justificativa do deputado, o Bitcoin é o futuro, e a reserva teria como objetivo proteger o país contra flutuações cambiais e riscos geopolíticos. Além disso, poderia fomentar o uso da tecnologia blockchain tanto no setor público quanto no privado, além de servir como suporte à emissão do Drex, a moeda digital brasileira. Segundo Biondini:
O projeto RESbit busca garantir a soberania econômica e alinhar o país às tendências globais de inovação.
Quem esteve presente
Entre os nomes confirmados e que participaram da audiência estiveram:
Luis Guilherme Siciliano, chefe do departamento de reservas internacionais do Banco Central;
Julia Rosin, coordenadora do grupo de policy da ABcripto;
Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban;
Diego Kolling, head de estratégia Bitcoin da Méliuz;
Pedro Henrique Guerra, chefe de gabinete do Ministério do Desenvolvimento.
A sessão foi conduzida pelo relator da matéria na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE), deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que já apresentou parecer favorável à tramitação. O requerimento para a realização da audiência foi feito pelo deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), que destacou a importância de ouvir especialistas antes do avanço da proposta.
Os argumentos a favor da Reserva de BTC no Brasil
Defensores da medida ressaltaram três pontos centrais. Entre eles, está a proteção das reservas internacionais. Ou seja, ao adicionar Bitcoin à cesta de ativos, o Brasil poderia reduzir riscos decorrentes de choques cambiais e da dependência do dólar.
Há ainda o estímulo tecnológico. A medida impulsionaria o desenvolvimento da infraestrutura blockchain no país, incentivando inovação e atraindo investimentos.
Por fim, o terceiro principal argumento a favor da reserva de Bitcoin no Brasil é que ele funcionaria como instrumento estratégico de segurança econômica, em um mundo cada vez mais multipolar.
Durante a audiência, alguns especialistas chegaram a defender a ideia de que o Bitcoin poderia funcionar como lastro para o Drex. Portanto, reforçaria sua credibilidade como moeda digital emitida pelo Banco Central.
Críticas e preocupações
Por outro lado, críticos da proposta chamaram a atenção para riscos importantes. A principal objeção foi à volatilidade do Bitcoin, considerada incompatível com a gestão de reservas internacionais que tradicionalmente privilegia ativos de baixo risco e alta liquidez, como títulos do Tesouro dos EUA.
Além disso, entrou em debate a possibilidade de a reserva em BTC lastrear o Drex, que seria a futura plataforma digital do Real Digital. No entanto, recentemente o projeto abandonou essa tecnologia blockchain em sua essência. Por isso, a especialista Júlia Rosin, da ABcripto, buscou separar o debate sobre Bitcoin e o Drex.
Segundo ela, não faria sentido atrelar o Drex a BTC ou qualquer outro ativo:
O Drex não é uma moeda. Não teria como ter um lastro para o que não é efetivamente uma moeda.
Ministério Público expressou apreensão
Rosin também levantou a proposta de integrar Bitcoins apreendidos pelo Ministério Público para contemplar a reserva. Outros países que planejam uma reserva de BTC também discutem essa possibilidade. Aliás, os EUA a implementaram em seu modelo.
Outro ponto levantado foi a necessidade de separar Bitcoin de outras criptomoedas nas discussões legislativas. Para alguns parlamentares, o BTC deve ser tratado de forma distinta por sua natureza descentralizada e por ser considerado, em diversos países, uma commodity digital. Portanto, seria diferente de outras criptomoedas baratas e altcoins em destaque.
O Deputado Eros Biondini (PL-MG) foi um dos que defenderam essa segregação:
Eu gostaria de também esclarecer que a nossa proposta desse projeto se deteve exclusivamente no Bitcoin, como também é uma tendência dos demais países (…) Pelas características do Bitcoin, nós tiramos do texto a expressão criptomoedas. Também nos Estados Unidos, está sendo considerado assim. Mesmo os que querem trabalhar com as criptomoedas de uma maneira geral, estão diferenciando o Bitcoin, pelas suas características, das demais criptomoedas.
A fala que marcou a audiência
Entre os momentos mais comentados da sessão, destacou-se a declaração de Pedro Henrique Guerra, chefe de gabinete do Ministério do Desenvolvimento. Ao rebater a crítica de que o Bitcoin não teria lastro, ele abordou a situação das moedas fiduciárias.
Desde 1971, as moedas estatais não têm mais lastro a não ser a concepção metafísica da confiança dos indivíduos na saúde da economia.
A fala ganhou repercussão, pois expôs a fragilidade do sistema monetário tradicional ao mesmo tempo em que abriu espaço para discutir o papel do BTC como reserva de valor.
Mesmo entre apoiadores, há o reconhecimento de que a proposta exige salvaguardas técnicas e jurídicas. Por exemplo, o projeto prevê que a custódia do BTC seja feita por meio de cold wallets, que são carteiras digitais sem conexão com a internet.
Além disso, a proposta inclui a apresentação de relatórios semestrais ao Congresso, à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Essas exigências têm como objetivo garantir segurança e transparência na gestão de um ativo de alta complexidade.
Repercussão e perspectivas
A audiência mostrou que o tema divide opiniões, mas também revelou uma base sólida de apoio à proposta da reserva de BTC no Brasil. Parlamentares ligados à pauta da inovação enxergam na RESbit uma oportunidade para o o país assumir protagonismo no cenário da economia digital. Segundo Biondini:
Se formos capazes de estruturar um programa sério, com salvaguardas, o Brasil pode estar na vanguarda de uma transformação global. O risco de não incluir Bitcoin na reserva do Brasil é o mesmo talvez de manter algumas moedas fiduciárias que já existem.
Já críticos, incluindo representantes de setores bancários tradicionais, reforçaram que é necessário ter cautela. Também salientaram que a adoção do Bitcoin como parte das reservas exige amplo consenso entre autoridades monetárias. No entanto, conforme defendeu o head de estratégia da Méliuz, Diego Kolling, ‘nós precisamos muito mais do BTC do que ele precisa de nós’.
Em seu discurso final, Kolling complementou sua visão:
Cada um paga o preço que merece no Bitcoin. Nós merecemos pagar a média de 112 mil dólares. E o Saylor pagou os US$ 10 mil em 2020.
O cenário internacional
O exemplo dos Estados Unidos, que aprovaram neste ano uma lei semelhante, foi constantemente citado durante a audiência. A medida, defendida por Donald Trump, estabeleceu reservas americanas em Bitcoin, reforçando a narrativa de que o ativo pode desempenhar papel estratégico em tempos de incerteza geopolítica.
Essa referência fortalece o argumento de que o Brasil não deve ficar para trás em um movimento que pode alterar a geopolítica monetária nas próximas décadas.
A audiência pública na Câmara dos Deputados não trouxe consenso final sobre a reserva de BTC no Brasil. No entanto, mostrou que o debate sobre a criação dela entrou de vez na agenda política brasileira.
De um lado, os defensores enxergam no BTC um ativo estratégico capaz de proteger o país e impulsionar a inovação tecnológica. Do outro, críticos alertam para a volatilidade, os riscos fiscais e a ausência de um arcabouço regulatório consolidado.
Independentemente do resultado da tramitação do Projeto de Lei 4.501/2024, a audiência marcou um divisor de águas. Pela primeira vez, o Parlamento brasileiro discutiu de forma estruturada e pública o uso de Bitcoin como parte das reservas internacionais do país.
Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.
Marta Barbosa Stephens é escritora e jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco, com mestrado na PUC São Paulo e pós-graduação em edição na Universidade de Barcelona.
Trabalhou em diversas redações de jornais e revistas no Brasil. Foi repórter de economia no Jornal da Tarde, do grupo O Estado de São Paulo e editora-adjunta de finanças pessoais na revista IstoÉ Dinheiro. Atuou no mercado de edição de livros de finanças em São Paulo e foi, por seis anos, redatora-chefe da revista Prazeres da Mesa (https://www.prazeresdamesa.com.br/), antes de se mudar para Inglaterra.
No Reino Unido, foi editora do jornal Notícias em Português, voltado à comunidade lusófona na Inglaterra.
Escreve e edita sobre o mercado de criptomoedas e tecnologia blockchain desde 2022.
We use cookies to ensure that we give you the best experience on our website. If you continue to use this site we will assume that you are happy with it.Ok