Tokenização via crowdfunding se consolida, mas ainda é exceção
Dados da CVM mostram forte crescimento nas emissões de valores mobiliários em 2025, mas apenas uma fração dessas operações utiliza tecnologia blockchain.
Emissões de valores mobiliários no Brasil somaram R$ 378,9 bilhões no 2º trimestre de 2025, segundo a CVM.
Apenas uma fração dessas emissões é de fato tokenizada, a maioria ainda opera em sistemas tradicionais.
Estimativas da ABCripto apontam R$ 1,3 bilhão em ativos tokenizados regulados em 2024, com crescimento de 300%.
CVM estuda revisão da Resolução 88 e integração com o Drex para ampliar a escala e liquidez do setor.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou na terça-feira (30/07) o boletim econômico referente ao segundo trimestre de 2025.
De acordo com o relatório, o total de emissões de valores mobiliários alcançou R$ 378,9 bilhões.
O destaque foi o crescimento de 24% em notas comerciais e FIDCs, que passaram de R$ 77 bilhões para R$ 95,5 bilhões. A tokenização representa uma fração desse número.
No mesmo período, as ofertas por meio de plataformas de crowdfunding reguladas pela Resolução CVM 88 somaram R$ 2,2 bilhões, já representando 69% do total captado durante todo o ano de 2024.
Nem tudo é tokenização
Apesar da expressividade dos números no boletim, é necessário fazer uma distinção importante: nem todas essas emissões envolvem tokenização. No caso dos FIDCs e das notas comerciais, a maioria das operações ainda utiliza escrituração tradicional, com liquidação em sistemas centralizados e controle convencional de custódia.
Da mesma forma, nem todas as ofertas realizadas sob a Resolução CVM 88 fazem uso da tecnologia blockchain. Muitas plataformas operam com modelos eletrônicos centralizados, sem qualquer emissão de novas criptomoedas ou uso de contratos inteligentes.
Essa distinção é essencial. Crowdfunding ou emissão por FIDC não implicam, por si só, em tokenização. A tokenização propriamente dita, ou seja, a representação digital de ativos reais em uma blockchain, ainda é uma parcela específica e minoritária desse universo.
O uso de smart contracts, custódia digital descentralizada e registros públicos distribuídos está, por ora, restrito a iniciativas mais pontuais, normalmente conduzidas por plataformas especializadas e startups do ecossistema cripto-financeiro.
Volume de ativos tokenizados
Segundo a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), o volume total de ativos tokenizados de forma regulada no Brasil em 2024 foi de aproximadamente R$ 1,3 bilhão. O número representa um crescimento de 300% em relação ao ano anterior.
Portanto, isso evidencia a velocidade de maturação desse mercado. Mas também deixando claro que ele ainda representa uma parte muito pequena do total de emissões acompanhadas pela CVM. Em termos proporcionais, a tokenização regulada corresponde a menos de 0,3% dos valores mobiliários emitidos no país.
Ainda assim, há motivos para otimismo. Diversas plataformas já operam com tokenização plena e compliance regulatório.
A Liqi, por exemplo, lançou tokens de recebíveis e royalties. A Foxbit foi a primeira exchange autorizada a intermediar crowdfunding com tokenização sob a Resolução CVM 88. Já a Hurst Capital oferece tokens lastreados em precatórios judiciais e direitos autorais.
Outras iniciativas como Netspaces (tokenização de imóveis) e Agrotoken (tokenização de commodities agrícolas) também indicam um crescimento gradual e qualificado do setor.
Resolução CVM 88
A Resolução CVM 88, em vigor desde 2022, representou um marco importante ao substituir a ICVM 588. Ela aumentou o teto de captação por oferta de R$ 5 milhões para R$ 15 milhões e permitiu explicitamente o uso de blockchain como mecanismo válido de registro de titularidade.
Além disso, a CVM estuda abrir uma nova consulta pública ainda em 2025 para revisar a norma. As mudanças esperadas incluem o aumento dos limites de captação para até R$ 50 milhões e a criação de normas específicas para ofertas tokenizadas, o que pode abrir espaço para estruturas híbridas entre crowdfunding tradicional e emissão on-chain.
Outra frente de transformação é o Drex, o real digital, desenvolvido pelo Banco Central do Brasil. O Drex terá capacidade de liquidar ativos tokenizados via contratos inteligentes de forma instantânea e segura. Com isso, espera-se maior integração entre tokens lastreados em ativos reais (os chamados real world assets, ou RWAs) e o sistema financeiro tradicional.
A interoperabilidade entre tokens privados e moeda digital estatal poderá criar uma nova geração de produtos financeiros nativamente digitais. Em um contexto internacional, o Brasil se posiciona como um dos países emergentes com maior crescimento proporcional em tokenização.
De acordo com a ABCripto, o país se destaca pela combinação de regulação progressiva, base tecnológica ativa e forte adesão de fintechs.
Estudo recente da associação indica que o Brasil já aparece entre os cinco mercados emergentes com mais ofertas de tokens regulados atrelados a recebíveis, cotas de fundos e ativos reais, ao lado de Filipinas, Nigéria, México e Tailândia.
Liquidez ainda é baixa
Apesar disso, o setor ainda enfrenta obstáculos para escalar. A liquidez no mercado secundário é baixa, e muitas ofertas permanecem sem negociação ativa.
A interoperabilidade entre blockchains distintas também é limitada, o que dificulta a circulação de tokens entre plataformas.
Outro ponto crítico é a falta de padronização de dados e contratos, dificultando o entendimento e a comparação por parte dos investidores.
Além disso, a educação financeira sobre tokenização ainda é incipiente, tanto entre emissores quanto entre compradores. O cenário atual é de transição. Enquanto o mercado tradicional se mantém dominante, a tokenização começa a ocupar espaço com regularidade.
A expectativa do setor é que novas estruturas híbridas ganhem força nos próximos meses. Essas estruturas combinariam elementos do mercado de capitais tradicional com a agilidade da infraestrutura on-chain, promovendo securitizações mais transparentes e acessíveis.
O crescimento da tokenização também traz implicações para o próprio modelo de supervisão. A CVM já estuda a adoção de APIs regulatórias e integração em tempo real com smart contracts, permitindo auditoria contínua dos fluxos tokenizados.
A proposta está alinhada com a ideia de regulação baseada em dados. Um paradigma que pode redefinir a supervisão do mercado nos próximos anos.
Brasil atrai estrangeiros
A experiência brasileira também tem atraído atenção de investidores internacionais. Segundo relatório do Digital Assets Policy Tracker, publicado em junho, o Brasil é citado como um dos exemplos mais robustos de integração de tokenização com marcos legais claros. O país também aparece como candidato a integrar projetos internacionais voltados à circulação de ativos digitais entre fronteiras.
Em resumo, os dados do segundo trimestre mostram um mercado de capitais aquecido, com crescimento generalizado nas emissões.
Porém, também revelam que a tokenização, embora promissora, ainda representa uma fração desse universo. A jornada para que os ativos digitais se tornem parte integral da infraestrutura financeira nacional ainda está em seus primeiros capítulos.
Com a revisão da CVM 88, o avanço do Drex e a consolidação de players especializados, o Brasil pode transformar essa fração em base. Mas para isso será preciso padronizar práticas, educar o mercado e criar interoperabilidade com liquidez real. A tokenização não é apenas um modismo. É a próxima camada da arquitetura financeira. E o Brasil tem tudo para ser um de seus engenheiros centrais.
Disclaimer: Coinspeaker está comprometido em fornecer reportagens imparciais e transparentes. Este artigo tem como objetivo fornecer informações precisas e oportunas. Mas não deve ser considerado como conselho financeiro ou de investimento. Como as condições do mercado podem mudar rapidamente, recomendamos que você verifique as informações por conta própria. E consulte um profissional antes de tomar qualquer decisão com base neste conteúdo.
Marta Barbosa Stephens é escritora e jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco, com mestrado na PUC São Paulo e pós-graduação em edição na Universidade de Barcelona.
Trabalhou em diversas redações de jornais e revistas no Brasil. Foi repórter de economia no Jornal da Tarde, do grupo O Estado de São Paulo e editora-adjunta de finanças pessoais na revista IstoÉ Dinheiro. Atuou no mercado de edição de livros de finanças em São Paulo e foi, por seis anos, redatora-chefe da revista Prazeres da Mesa (https://www.prazeresdamesa.com.br/), antes de se mudar para Inglaterra.
No Reino Unido, foi editora do jornal Notícias em Português, voltado à comunidade lusófona na Inglaterra.
Escreve e edita sobre o mercado de criptomoedas e tecnologia blockchain desde 2022.
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